O Homem de Preto – Parte 2
– Não se lembra de mim? Me chamo Morte…
Essa frase fez com que simultaneamente Henry sentisse todos os poros de seu corpo se fecharem, além de um tenebroso calafrio que percorreu toda a extensão de sua coluna. Sem se importar com tais reações, o homem de preto adentrou a porta, mas não fechou-a, como que convidando Henry a segui-lo.
Estático, Henry tentava entender o que acontecera: a voz fantasma, o homem de preto chamado Morte, o quarto vermelho, a comida estranha… “Espere, onde está a comida?” ele pensou. De fato, toda a comida, que antes empilhava-se em meio a pratos e travessas centenas havia desaparecido, restando apenas uma maçã.
Sem entender o porquê, Henry não conseguiu tocar a fruta, por mais que desejasse-a. Em sua mente voltava a visão de uma antiga professora de seu colégio católico, que abominava maçãs por serem uma representação clássica da “Fruta do Conhecimento” contida na Bíblia.
Após algumas fundas respiradas, Henry juntou forças para levantar-se. Embora ainda atônito, tentava com força pensar claramente. Em vão, tentava juntar os fatos que o haviam levado até ali. Sem sucesso, e dando leves cutucadas na cabeça, como quem se auto-critica, Henry decidiu que ficaria ali parado. Esperaria até que o homem voltasse, e então pediria explicações.
Por algum tempo; que para Henry pareceu horas; o visitante esperou. Mexeu na cadeira de material branco e na sua correspondente mesa. Olhou com certa avidez para a maçã (mas não tocou-a). Tentou até mesmo descobrir de que seria feito o material vermelho que cercava o cômodo. A “tinta” era dotada de um cheiro levemente ferroso e adocicado, lembrando-o de algo cujo nome não conseguia captar.
Entretanto, em dado momento Henry sentiu um leve tremor. Começou como uma simples trepidação, que foi aumentando e tornando-se mais severa. Após alguns minutos Henry já estava agachado sobre o chão vermelho, tentando se manter firme.
– Mas que porra é essa?!?! – gritou para ninguém além de si.
Então, respondendo ao seu grito um volume disforme começou a agigantar-se no lado inicial do cômodo, aquele por onde Henry havia entrado. Parecia ser formado por um material similar ao que recobria a peça, mas tinha a aparência de um monte de barro viscoso. Mexendo-se de forma a ser definida como “inatural” a qualquer ser dotado de ossos, articulações ou mesmo orgãos, a criatura RUGIU para Henry, que tomado por um medo que não podia sequer entender teve a única reação possível: correu para a porta aberta da Morte.
Henry correu como nunca antes havia corrido, e em segundos estava quase na porta. Atrás de si, sentia o bafo ferroso e enjoativo da criatura, que parecia rastejar em sua direção de forma sobrenatural. Alcançando o batente da porta, adentrou o novo cômodo e fechou a entrada com força. Segurou a porta com vontade, mas não sentiu nenhuma trepidação ou ouviu algum som da peça anterior da mansão. Tentou então inutilmente abri-la para verificar se não estava ficando louco, mas a porta parecia trancada. Nem mesmo com um forte puxão mexia-se.
Ainda tomado de adrenalina, Henry pôs as mãos nos joelhos e arqueou-se, tentando respirar com mais calma. Naquele momento, ainda pensando na criatura e na sala anterior decifrou: “O cheiro, tanto da sala quanto do monstro é…
…Sangue…”
Os olhos de Henry naquele momento poderiam ter saltado das órbitas de tão assustada era sua expressão. Como um cão que é levado para uma casa diferente e ao estranhá-la fica assustado, urina-se e fica louco, Henry sentia sua sanidade se esvaindo.
Assim, as únicas palavras que encontravam espaço em sua mente agredida era: “Não, não, não, não, não, …”
Sua vontade era fugir.
Se matar.
Ficar parado ali e deixar a inanição fazer o serviço.
Chorar.
NÃO!
Henry ergueu-se e, empertigado, gritou para o ar:
– VOCÊ NÃO VAI ME DERROTAR TÃO FÁCIL!
ha
ha
ha
ha
A cínica e gélida risada, que lembrava ao visitante a brisa gelada de uma noite invernal, fez com que perdesse a pose.
– Você é engraçado, pequeno Henry – disse uma voz conhecida, do outro lado da sala, para onde Henry nem ao menos havia tido a coragem de olhar – Acaba de quase se perder em sangue mas esbraveja para o mundo que nada pode derrotá-lo. Tem noção do quão pífio você soa?
Morte estava em uma parte elevada na ponta do corredor em que se localizavam. Ao seu lado, uma mesa de pedra rústica, com uma toalha branca cobrindo algo volumoso em cima. Todo o corredor era iluminado por archotes, mas suas chamas eram levemente esverdeadas.
– Não duvide de mim, seu charlatão de quinta! – esbravejou – Eu não sei que tipo de truques você está usando aqui mas…
De repente, como se tivesse coberto toda a distância entre os dois em milissegundos, o homem de preto estava com o dedo indicador direito na boca de Henry, fazendo com que se calasse. Deslizou então o dedo pela garganta do visitante, que gélido de medo ouviu-o dizer:
– Acho que você confirma minha teoria… Os humanos sempre reúnem coragem perto da morte…
Tremendo, a única reação de Henry era olhar para a Morte, que sinistramente começou a circundá-lo pelo corredor. O homem de preto bruxuleava esverdeado pelas estranhas chamas dos archotes dizendo:
-Você é um indivíduo interessante… Certamente sua herança é clara… – as mãos magras e geladas da Morte passeavam pelo seu corpo, enquanto Henry lutava contra um pavor inédito advindo de dentro de si – Eu nunca poderei forçá-lo a nada realmente, por isso o caminho a ser seguido deve ser de sua escolha…
Henry viu Morte andar em direção ao fim do corredor e do altar coberto, parando ao lado do mesmo e falando em um tom grave:
– Sua jornada não termina aqui, pequeno. Você ainda terá muitas salas à explorar. Entretanto, vou lhe dizer alguns fatos: Primeiramente, você está aqui por vontade própria. Nada nem ninguém o trouxeram aqui contra seu desejo. Em segundo lugar, não tema a Morte. Tema os vivos e suas heranças. E por último, aceite-se.
Henry então resolveu aproximar-se do homem de preto e do seu altar caminhando lentamente. Ao chegar perto, viu que havia algo sendo coberto pela toalha branca e Morte deu-o um olhar cobiçoso:
– Se tem curiosidade, veja…
Ainda aturdido e assustado, Henry pôs a mão na toalha e a puxou. Sobre o altar havia uma vela, completamente branca e com um pavio intacto. Curioso, ele pegou-a na mão e sentiu algo estranho: mesmo apagada, a vela estava quente!
Como?!… – Henry ia perguntar à Morte, mas a mesma havia deixado-o sozinho novamente, com a nova porta entreaberta.